O leite é um dos alimentos mais controversos no meio da nutrição. Por um lado, é extremamente nutritivo, oferecendo nutrientes essenciais e apresentando um ótimo teor de proteína de alta qualidade. Por outro, é um alimento contaminado com hormônios, pesticidas, toxinas, metais pesados, e resíduos de medicamentos de uso veterinário.
A recomendação para um consumo regular de leite e seus derivados é justificada pelo conteúdo de cálcio, na tentativa de prevenir osteoporose e reduzir o risco de fraturas ósseas. Porém, os benefícios à saúde ainda não são bem esclarecidos e há uma preocupação com possíveis efeitos nocivos.
Nesse texto irei esclarecer muitas das dúvidas quanto ao consumo de leite, e apresentar fatos científicos consistentes que irão te auxiliar na decisão de consumir ou não esse alimento.
Leite e saúde óssea
O leite é uma das principais fontes alimentares de cálcio, mineral que compõe estruturalmente os nossos ossos. Por muitos anos, acreditou-se que um consumo regular de leite seria importante para a saúde óssea, inclusive, muitas entidades públicas ainda recomendam um consumo elevado desse alimento, mas isso não vai de acordo com os fatos científicos.
Uma meta-análise, revisou 10 estudos de corte, incluindo 374 mil participantes, e não observou nenhuma associação significativa entre o consumo de leite e o risco de fraturas ósseas. Outra meta-análise, que avaliou 18 estudos, incluindo 381 mil participantes, também não encontrou nenhuma associação significativa.
Em crianças, o consumo regular de leite não tem nenhuma relação com a densidade óssea, refutando a teoria de que é preciso consumir esse alimento para ter um bom desenvolvimento ósseo. Em adolescentes, o consumo regular de leite não exerce nenhum benefício e ainda é associado com um maior risco de fraturas ósseas na vida adulta!
Assim, fica claro que as evidências científicas não suportam a recomendação de um consumo regular de leite e seus derivados para promover saúde óssea.
Uma das razões para esse fenômeno é a presença de D-galactose, composto conhecido por causar inflamação e estresse oxidativo, prejudicando a saúde dos nossos ossos.
Além disso, o consumo elevado de cálcio, seja por via alimentar ou pelo uso de suplementos, não parece prevenir complicações ósseas. Um estudo que revisou 59 ensaios clínicos, observou que elevações no consumo de cálcio exercem efeitos modestos na densidade óssea, que não são sustentados por longos períodos. Os autores concluem que aumentar o consumo de cálcio não traz respostas significativas na saúde óssea.
Contaminates presentes no leite
O leite de vaca é contaminado com inúmeras substâncias nocivas para a saúde humana. Para maximizar a produção, vacas são criadas para produzir níveis elevados de IGF-1, e mantidas em condição de gestação, o que aumenta consideravelmente os níveis de progesterona, estrogênio, e outros hormônios. A exposição aos hormônios presentes no leite pode representar diversas complicações de saúde que ainda não são bem esclarecidas.
A aflatoxina é uma micotoxina produzida por algumas espécies de fungos, presente na ração destinada para animais. Um estudo no Brasil, identificou que 24% das amostras de leite produzidas no Paraná, testaram positivo para aflatoxina, substância conhecida por ser cancerígena.
Metais pesados podem contaminar o leite por diversas fontes, como poluição ambiental, uso de medicamentos ou contato direto com superfícies metálicas. Estudos identificam a presença de diversos metais pesados no leite, incluindo cobre, cádmio, cromo, mercúrio, arsênio e chumbo. Muitos desses metais são classificados como cancerígenos pela OMS.
Medicamentos de uso veterinário também são uma preocupação, especialmente antimicrobianos utilizados para prevenir infecções nas glândulas mamárias de vacas. Resíduos desses medicamentos contaminam o leite, podendo desencadear reações de hipersensibilidade, danos neurais, distúrbios na formação óssea, e danos irreversíveis ao DNA.
Por fim, agrotóxicos também contaminam o leite, seja de forma direta, pela alimentação com rações transgênicas, ou indireta, já que muitos pesticidas contaminam a água e o solo. Estudos no Brasil observam que 38% das amostras de leite são contaminadas com compostos organofosforados, e 29% com resíduos de carbamatos.
Leite e câncer
O consumo regular de leite e seus derivados é associado com um maior risco para diversos tipos de câncer.
Uma meta-análise, que avaliou 32 estudos observacionais, conclui que o consumo regular de leite e seus derivados, aumenta significativamente o risco de câncer de próstata. Os autores identificaram uma associação positiva com o consumo de leite integral, leite desnatado, iogurte e queijo, mas não com o consumo de cálcio, sugerindo que o risco para câncer de próstata parece, de fato, ter correlação com o leite.
Os efeitos do consumo de leite nas concentrações plasmáticas de IGF-1 presume uma plausibilidade para esse fato, visto que esse peptídeo estimula o desenvolvimento de tumores. Elevações no IGF-1 parecem aumentar o risco de câncer de próstata em 38%. Estudos observam que veganos apresentam menores concentrações de IFG-1.
O consumo de leite é associado com um maior risco de câncer endometrial, especialmente em mulheres pós-menopausa. O leite também parece aumentar o risco de para câncer de mama, enquanto alimentos de origem vegetal, como a soja, exercem efeitos protetores.
Um estudo com 52 mil mulheres, identificou que um consumo elevado de leite aumenta significativamente o risco para câncer de mama. Nesse estudo, a substituição do leite de vaca, pelo leite de soja, representou uma redução importante no risco, provavelmente devido a presença de isoflavonas na soja, compostos conhecidos por exercerem efeitos protetores contra esse tipo de câncer.
Leite e mortalidade
O consumo de leite é associal com uma maior taxa de mortalidade. Uma meta-análise que incluiu 168 mil mulheres e 49 mil homens, observou uma maior mortalidade por câncer e doenças cardiovasculares naqueles que consumiam leite integral regularmente.
Nesse estudo, a substituição do leite por alimentos de origem vegetal, como castanhas, legumes e grãos integrais, representou uma redução na taxa de mortalidade.
Leite e acne
Os impactos do consumo de leite no desenvolvimento de acne é suportado por diversos estudos. O consumo elevado (mais de 3 vezes na semana) desse alimento, parece contribuir para quadros de acne, provavelmente devido ao conteúdo hormonal (especialmente de hormônios esteroides), a presença de alfa-lactoalbuminas, e de fatores de crescimento.
E o problema não parece ser a gordura do leite, já que estudos também observam complicação em indivíduos que consomem exclusivamente leite desnatado. Quer saber mais sobre nutrição e saúde da pele? Clique aqui.
Intolerância a lactose
Na natureza, mamíferos consomem leite somente durante os primeiros anos de vida. Ao desmamar, esses animais deixam de produzir as enzimas que degradam os carboidratos presentes no leite, justamente por não serem necessárias, e isso também ocorre em humanos.
Embora seja vista como uma condição de saúda, a intolerância a lactose é, na verdade, uma condição natural, onde deixamos de produzir a enzima lactase, desnecessária na vida adulta!
E não é surpresa que boa parte dos adultos saudáveis não produzem lactase. Estudos estimam que cerca de 68% da população mundial têm intolerância a lactose.
Existem muitas estratégias para compensar esse tipo de intolerância, alguns indivíduos toleram pequenas porções de leite, outros consomem a enzima lactase na forma de suplemento, mas a melhor solução é eliminar o leite da dieta.
Os impactos ambientais do leite
A produção em massa de leite gera impactos ambientais expressivos. A manutenção de grandes populações de vacas promove a emissão de gases, como o metano, que contribuem fortemente para o aquecimento global.
Como se não bastasse, os dejetos desses animais poluem a água e solo, causando inúmeros problemas.
Conclusões e dicas
O leite de vaca, embora nutritivo, parece ser nocivo à saúde humana. Contaminado com inúmeros químicos e hormônios, esse alimento traz complicações importantes, desde as mais simples, como acne, até aquelas mais graves, como o câncer.
É valido considerar que para pessoas de baixa renda, o leite pode ser um alimento importante, prevenindo casos de desnutrição, mas para a população em geral, não parece benéfico, visto que não previne doenças ósseas, e ainda pode ser deletério à saúde.
Dicas:
Evite consumir leite e seus derivados;
Substitua o leite por alternativas vegetais, existem muitos produtos no mercado;
Não se esqueça de consumir fontes vegetais de cálcio, como tofu, brócolis e folhosos de coloração verde-escura;
Procure um nutricionista para te auxiliar.
Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 1726
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