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O que acontece se você só comer carne?


Você já ouviu falar na dieta carnívora? Esse é um padrão alimentar que se baseia, quase que exclusivamente, em alimentos de origem animal, especialmente a carne vermelha. 


Apesar de não termos muitas evidências para defender esse tipo de dieta, muitos têm adotado uma alimentação carnívora, acreditando em potenciais benefícios à saúde, mas será que isso realmente faz sentido? Nesse texto, nós vamos discutir os principais achados científicos nesse tema, na tentativa de responder o que, de fato, acontece quando comemos somente carne.


A dieta dos nossos ancestrais?


Muitos que defendem a dieta carnívora, usam do argumento de que nós, humanos, evoluímos em dietas centradas no consumo de carne, mas será que isso é verdade?


A era paleolítica (onde aparentemente nós dependíamos da caça) se estendeu pelo período entre 2.6 milhões, até cerca de 12 mil anos atrás (1), mas por que parar por aí? Em termos de evolução genética, a era paleolítica não representa nem 2% da nossa história evolutiva, estimada em mais de 200 milhões de anos (2).


Durante a maior parte da nossa história, antes de aprendermos a usar ferramentas e dominar a caça, a nossa dieta era predominantemente à base de raízes, plantas e frutas (3). Segue a referência de um dos melhores estudos no tema:


"Os hominídeos, incluindo todos os grandes primatas, têm a maior parte da sua dieta à base de plantas, e há um consenso geral de que os humanos provêm de uma descendência fortemente herbívora.”


Nós humanos, somos tão bem adaptados a consumir frutas e vegetais, que se excluirmos esses alimentos da dieta, desenvolvemos deficiências graves, como o escorbuto, doença causada pela deficiência de vitamina C, diferente de outros animais que são, de fato, carnívoros, como cachorros, que produzem a própria vitamina C (4).


Estudos que avaliam fósseis humanos observam que, quando comparados com a nossa dieta atual, os nossos ancestrais consumiam 10x mais vitamina C e fibras (5,6), nutrientes que só encontramos em alimentos de origem vegetal. Esses resultados sugerem que a verdadeira dieta dos nossos ancestrais era predominantemente à base de vegetais!


O que acontece se você só comer carne?


A dieta carnívora é tão restritiva, que boa parte da comunidade científica sequer leva isso a sério, porém, devido à popularidade recente de dietas centradas no consumo de carne, pesquisadores de Harvard conduziram um dos primeiros estudos, publicado em 2021 (7).


O estudo em questão, gerou muita polêmica, visto que, aparentemente, a dieta carnívora favoreceu a saúde dos participantes! Vamos avaliar essa publicação?


O estudo foi conduzido via questionários on-line, onde os pesquisadores recrutaram 2029 participantes, por meio de grupos de mídias sócias (grupos esses, que favoreciam dietas carnívoras). Eles observaram que 95% dos participantes relataram benefícios à saúde, mas, como os próprios autores discutem, isso é apenas um relato desses indivíduos! Ou seja, não são dados objetivos que, de fato, comprovam os benefícios da dieta carnívora! E ainda vale insistir que os participantes tinham uma tendência, clara, em favorecer a dieta em questão.


Apesar das limitações, o estudo coletou alguns marcadores bioquímicos que merecem ser discutidos (afinal, isso, sim, é evidência científica). Nesse estudo, os participantes tiveram uma melhora bem considerável em marcadores glicêmicos, sugerindo que a dieta carnívora parece ser favorável no tratamento do diabetes, mas reduções nos níveis de glicose são esperadas em indivíduos que praticamente não consomem carboidratos! 


O diabetes é uma doença caracterizada por disfunções no metabolismo de carboidratos, logo, é esperado melhoras ao excluir o consumo desse macronutriente! O que esses resultados sugerem é que a dieta carnívora ameniza os sintomas do diabetes, mas isso não significa que é uma dieta válida no seu tratamento! Inclusive, estudos mais robustos, como uma pesquisa com mais de 216 mil participantes acompanhados por 30 anos, observaram que o consumo de carne vermelha aumenta, e muito, o risco para diabetes (8). Clique aqui para saber mais!


Outro marcador avaliado no estudo foi o colesterol LDL, onde os participantes tiverem níveis absurdamente elevados (na média, 172mg/dL). O colesterol LDL é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, que são as doenças que mais matam no mundo! As evidências são tão robustas que, hoje, já é comprovado que níveis elevados de LDL causam arteriosclerose (9). Para termos uma comparação, estudos com veganos observam que esses indivíduos têm, na média, um colesterol LDL na faixa de 70mg/dL (10). Não é à toa que veganos têm um menor risco cardiovascular (11).


A carne que consumimos hoje não é a mesma dos nossos ancestrais!


Considerando os estudos que discuti até aqui, acho que fica bem claro que o consumo de carne, não é (e nunca foi) à base da alimentação de humanos! E mesmo que fosse, a carne que consumimos hoje não é a mesma dos nossos ancestrais. 


Nós modificamos drasticamente o teor de gordura de produtos de origem animal, ao ponto de que, hoje, a carne de animais de criação tem muito mais gordura, especialmente gordura saturada, quando comparada com a carne de animais selvagens (12). A carne, hoje, também é contaminada com uma série de poluentes ambientais, incluindo metais pesados (13), microplásticos (14) e agrotóxicos (15,16). Clique aqui para saber mais!


Conclusões


Apesar das crenças populares, a verdade é que nós não evoluímos em uma dieta centrada no consumo de carne! Na verdade, os melhores estudos no tema sugerem que os nossos ancestrais tinham uma alimentação rica em raízes, frutas e vegetais. 


A dieta carnívora é um dos padrões alimentares mais absurdos, com quase nenhuma evidência de seus benefícios e múltiplos potenciais riscos. Mas, claro, eu não vou ser determinista e usar do mesmo argumento fútil dos defensores do consumo de carne, você pode, sim, incluir quantidade moderadas de alimentos de origem animal em uma dieta saudável, mas o melhor mesmo, é preferir uma dieta à base de vegetais, que limita, ou até excluí um dos alimentos menos saudáveis que você pode consumir, a carne vermelha!



 

Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 1726


Referências:


1.Turner, B. L., & Thompson, A. L. (2013). Beyond the Paleolithic prescription: incorporating diversity and flexibility in the study of human diet evolution. Nutrition reviews, 71(8), 501-510.


2.Andrews, P. (2019). Last common ancestor of apes and humans: Morphology and environment. Folia Primatologica, 91(2), 122-148.


3.Milton, K. (1999). Nutritional characteristics of wild primate foods: do the diets of our closest living relatives have lessons for us?. Nutrition, 15(6), 488-498.


4.Milton, K. (2003). Micronutrient intakes of wild primates: are humans different?. Comparative Biochemistry and Physiology Part A: Molecular & Integrative Physiology, 136(1), 47-59.


5.Benzie, I. F. (2003). Evolution of dietary antioxidants. Comparative Biochemistry and Physiology Part A: Molecular & Integrative Physiology, 136(1), 113-126.


6.Milton, K. (1999). Nutritional characteristics of wild primate foods: do the diets of our closest living relatives have lessons for us?. Nutrition, 15(6), 488-498.


7.Lennerz, B. S., Mey, J. T., Henn, O. H., & Ludwig, D. S. (2021). Behavioral characteristics and self-reported health status among 2029 adults consuming a “carnivore diet”. Current developments in nutrition, 5(12), nzab133.


8. Gu, X., Drouin-Chartier, J. P., Sacks, F. M., Hu, F. B., Rosner, B., & Willett, W. C. (2023). Red meat intake and risk of type 2 diabetes in a prospective cohort study of United States females and males. The American Journal of Clinical Nutrition, 118(6), 1153-1163.


9. Ference, B. A., Ginsberg, H. N., Graham, I., Ray, K. K., Packard, C. J., Bruckert, E., ... & Catapano, A. L. (2017). Low-density lipoproteins cause atherosclerotic cardiovascular disease. 1. Evidence from genetic, epidemiologic, and clinical studies. A consensus statement from the European Atherosclerosis Society Consensus Panel. European heart journal, 38(32), 2459-2472.


10.Koch, C. A., Kjeldsen, E. W., & Frikke-Schmidt, R. (2023). Vegetarian or vegan diets and blood lipids: a meta-analysis of randomized trials. European Heart Journal, 44(28), 2609-2622.


11.Dinu, M., Abbate, R., Gensini, G. F., Casini, A., & Sofi, F. (2017). Vegetarian, vegan diets and multiple health outcomes: A systematic review with meta-analysis of observational studies. Critical reviews in food science and nutrition, 57(17), 3640-3649.


12.Davidson, B., Maciver, J., Lessard, E., & Connors, K. (2011). Meat lipid profiles: a comparison of meat from domesticated and wild southern African animals. in vivo, 25(2), 197-202.


13.Domingo, J. L., & Nadal, M. (2016). Carcinogenicity of consumption of red and processed meat: What about environmental contaminants?. Environmental research, 145, 109-115.


14.European Food Safety Authority. (2010). Results of the monitoring of non dioxin‐like PCBs in food and feed. EFSA Journal, 8(7), 1701.


15.Al-Amri, I., Kadim, I. T., AlKindi, A., Hamaed, A., Al-Magbali, R., Khalaf, S., ... & Mabood, F. (2021). Determination of residues of pesticides, anabolic steroids, antibiotics, and antibacterial compounds in meat products in Oman by liquid chromatography/mass spectrometry and enzyme-linked immunosorbent assay. Veterinary World, 14(3), 709.


16.Tongo, I., & Ezemonye, L. (2015). Human health risks associated with residual pesticide levels in edible tissues of slaughtered cattle in Benin City, Southern Nigeria. Toxicology reports, 2, 1117-1135.

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