Uma das questões que mais geram polêmica quando falamos de dietas vegetarianas, principalmente veganas, é a saúde óssea.
De fato, vários estudos documentam uma menor densidade óssea em veganos quando comparados com onívoros, mas será que isso realmente é um problema?
Nesse texto, eu vou te explicar porque muitos estudos observam esses resultados, questionando tais evidências e explicando por que você não precisa se preocupar tanto com a saúde óssea seguindo uma dieta à base de vegetais.
O que os estudos observam?
É bem evidenciado, em diversos estudos, que veganos tendem a apresentar uma menor densidade mineral óssea. Uma das primeiras pesquisas a documentar esse fenômeno (1), acompanhou 1126 veganos e observou um maior risco de fraturas ósseas quando comparados com onívoros. Os resultados foram atribuídos ao consumo de cálcio, visto que o maior risco de fraturas ocorreu somente nos veganos que consumiam menos de 525 mg do mineral por dia.
Esses resultados foram confirmados em estudos recentes. Uma meta-análise publicada em 2020 (2), avaliou a incidência de fraturas ósseas em 3941 indivíduos, observando um maior risco naqueles que seguiam uma dieta vegana, porém a diferença foi menos significativa quando os autores ajustaram os resultados considerando outros fatores de risco como a ingesta de cálcio, proteína e o IMC (índice de massa corporal). Vale notar que a diferença entre os grupos nesse estudo, embora significativa, não foi muito expressiva e não reflete necessariamente resultados clínicos (os próprios autores do estudo discutem esse fato).
Outro estudo recente (3), recrutou 36 veganos e 36 onívoros, avaliando a densidade óssea por meio de ultrassonografia. Mais uma vez, os resultados evidenciaram uma menor densidade óssea nos veganos, mas a diferença foi modesta e os autores não ajustaram os dados considerando o IMC dos participantes.
Por que o IMC é tão importante quando falamos de densidade
óssea?
A massa corporal influência de forma bem significativa a densidade mineral óssea, isso porque sobrecarga é um dos estímulos mais determinantes na manutenção de tecido ósseo. Assim, é evidente que um indivíduo que tem um maior IMC também terá uma maior densidade óssea, mas quem disse que isso é saudável?
Vegetarianos, especialmente veganos, apresentam um perfil de baixo peso. Estudos deixam bem claro que o IMC desses indivíduos é consideravelmente mais baixo (4), e isso naturalmente se reflete em uma menor densidade óssea.
Por isso, é tão importante ajustar os resultados considerando o IMC quando falamos de densidade mineral óssea em vegetarianos e veganos. Não fazer tal ajuste pode levar a uma interpretação errônea dos dados, já que a menor densidade óssea observada nesses indivíduos não é necessariamente reflexo de uma limitação dietética, mas sim de uma característica particular (menor IMC), que evidentemente é favorável à saúde!
Assim, extrapolar que uma dieta vegana leva à fragilidade óssea é um tanto absurdo! Seria o mesmo que dizer que um indivíduo deve buscar ter sobrepeso para ter ossos fortes!
Leite não fortalece os nossos ossos!
Embora o leite seja uma boa fonte de cálcio, estudos não observam um menor risco de fraturas ósseas a partir do consumo desse alimento! Uma meta-análise recente (5) revisou diversos estudos, somando os resultados de mais de 374 mil participantes, e não observou diferenças significativas no risco de fraturas naqueles que consumiam leite regularmente.
Outra meta-análise (6) revisou 18 estudos observacionais, somando mais de 381 mil participantes na tentativa de associar o consumo de leite com a saúde óssea. Os resultados foram inconsistentes e os autores concluem que não podemos afirmar que o leite exerce qualquer efeito protetor na saúde dos nossos ossos.
Por outro lado, o consumo regular de leite, especialmente em excesso, parece aumentar a taxa de mortalidade (7). Quer saber mais sobre o leite? Clique aqui!
Afinal, eu devo me preocupar com a saúde óssea seguindo uma dieta vegana?
Não podemos ignorar que dietas à base de vegetais parecem ter impactos negativos na densidade mineral óssea. Esse efeito é modesto e influenciado por algumas questões particulares (especialmente o IMC), mas todo o cuidado é valido!
Ao que tudo indica, uma potencial fragilidade óssea em vegetarianos pode ser facilmente prevenida com um consumo adequado de cálcio e vitamina D. Por isso, é fundamental que você inclua boas fontes vegetais de cálcio na sua dieta, como vegetais de coloração verde-escura (ex: brócolis, rúcula e couve). Clique aqui para saber mais!
Outro ponto importante é a vitamina D, que tem papel crucial no metabolismo do cálcio (8). Essa vitamina atua como um hormônio regulando a absorção e utilização do mineral. A deficiência de vitamina D é recorrente na população, e vegetarianos devem ter um cuidado redobrado, visto toda essa questão da saúde óssea.
Além disso, outros fatores de risco têm impactos bem mais expressivos na densidade óssea do que a dieta, principalmente o exercício físico (9). Não há nenhuma dúvida de que o sedentarismo é a principal causa de problemas osteoarticulares, por isso, é muito importante se exercitar regularmente, buscando atividades que envolvam impacto (como corrida) e sobrecarga (como a musculação).
Conclusões e dicas:
A partir do exposto, espero que tenha ficado claro que você não vai, necessariamente, ter disfunções na saúde óssea seguindo uma dieta vegana. Aliás, o consumo de leite não parece exercer nenhum benefício particular, desde que você tenha uma dieta adequada!
Embora exista um maior risco de fraturas ósseas em veganos (que é bem modesto), isso não significa uma limitação nutricional, já que podemos eliminar tal risco consumindo quantidades adequadas de cálcio e vitamina D, e se exercitando regularmente.
Dicas:
Garanta um consumo adequado de cálcio na sua dieta, especialmente se você é vegano;
Se exponha ao sol regularmente para garantir suficiência de vitamina D;
Considere a suplementação com vitamina D;
Pratique exercício físico regularmente, especialmente atividades que envolvem impacto e sobrecarga;
Na dúvida, busque um nutricionista para te ajudar!
Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 17268
Referências:
1.Appleby, P., Roddam, A., Allen, N., & Key, T. (2007). Comparative fracture risk in vegetarians and nonvegetarians in EPIC-Oxford. European journal of clinical nutrition, 61(12), 1400-1406.
2. Tong, T. Y., Appleby, P. N., Armstrong, M. E., Fensom, G. K., Knuppel, A., Papier, K., ... & Key, T. J. (2020). Vegetarian and vegan diets and risks of total and site-specific fractures: results from the prospective EPIC-Oxford study. BMC medicine, 18(1), 1-15.
3. Menzel, J., Abraham, K., Stangl, G. I., Ueland, P. M., Obeid, R., Schulze, M. B., ... & Weikert, C. (2021). Vegan diet and bone health—Results from the cross-sectional RBVD study. Nutrients, 13(2), 685.
4. Barnard, N. D., Levin, S. M., & Yokoyama, Y. (2015). A systematic review and meta-analysis of changes in body weight in clinical trials of vegetarian diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 115(6), 954-969.
5. Matía-Martín, P., Torrego-Ellacuría, M., Larrad-Sainz, A., Fernández-Pérez, C., Cuesta-Triana, F., & Rubio-Herrera, M. Á. (2019). Effects of milk and dairy products on the prevention of osteoporosis and osteoporotic fractures in Europeans and non-Hispanic Whites from North America: a systematic review and updated meta-analysis. Advances in Nutrition, 10(suppl_2), S120-S143.
6. Bian, S., Hu, J., Zhang, K., Wang, Y., Yu, M., & Ma, J. (2018). Dairy product consumption and risk of hip fracture: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health, 18, 1-16.
7. Ding, M., Li, J., Qi, L., Ellervik, C., Zhang, X., Manson, J. E., ... & Hu, F. B. (2019). Associations of dairy intake with risk of mortality in women and men: three prospective cohort studies. bmj, 367.
8. Bouillon, R., LeBoff, M. S., & Neale, R. E. (2023). Health effects of vitamin D supplementation: lessons learned from randomized controlled trials and Mendelian randomization studies. Journal of Bone and Mineral Research, 38(10), 1391-1403.
9. Chang, X., Xu, S., & Zhang, H. (2022). Regulation of bone health through physical exercise: Mechanisms and types. Frontiers in Endocrinology, 13, 1029475.
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