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Dieta cetogênica? Não faz sentido!


Você já ouviu falar na dieta cetogênica? Um padrão alimentar que exclui quase todo o consumo de carboidratos na tentativa de induzir um processo que chamamos de cetogênese.


A ideia é facilitar a utilização de gordura como energia, levando ao emagrecimento. De fato, diversos estudos observam perda de peso com dietas cetogênicas, mas será que essa é a melhor estratégia? Nesse texto eu vou apresentar os problemas, discutindo porque essa dieta não faz sentido.


O que é uma dieta cetogênica?


Basicamente, é uma dieta que exclui o consumo de carboidratos, chegando próximo de zero, assim, forçamos a utilização de gordura como energia.


O nosso corpo utiliza predominantemente carboidratos como energia, isso é verdade especialmente para o sistema nervoso central, que demanda uma constante oferta de glicose para operar normalmente (1).


Acontece que mesmo quando excluímos os carboidratos da dieta continuamos a demandar glicose. A solução fisiológica é a produção de corpos cetônicos, um subproduto da oxidação de gorduras, capaz de suprir as funções fisiológicas básicas, mesmo em estados de privação extrema (2).


A cetogênese é um mecanismo de sobrevivência, que serve, justamente, para manter as nossas funções cognitivas na ausência de carboidratos, mas quem disse que isso é saudável?


Dieta cetogênica na perda de peso


Muitos defendem a dieta cetogênica devido as suas implicações na perda de peso, de fato, gorduras são amplamente utilizadas como energia quando aderimos essa dieta, mas a história não acaba aí!


O problema é que proteínas também são utilizadas como energia quando nós expomos a uma restrição tão severa de carboidratos, levando uma potencial perda de massa muscular. Esse conceito foi apresentado em estudos liderados pelo Kevin Hall, um dos pesquisadores mais respeitados no meio científico.


O primeiro desses estudos, publicado em 2016, comparou uma restrição calórica tradicional com uma dieta cetogênica na perda de peso (3). Nesse estudo, 17 indivíduos (com sobrepeso) foram submetidos a uma dieta tradicional por 4 semanas e posteriormente a uma dieta cetogênica, por mais 4 semanas. O estudo foi super controlado (o que é característico das pesquisas do Kevin Hall), onde todas as semanas os participantes passaram 2 dias em câmaras metabólicas para mensurar o gasto energético total.


A dieta, claro, também foi super controlada, e a composição corporal foi aferida através do DEXA (do inglês: dual-energy X-ray absorption), a forma mais precisa de fazer tal avaliação. Os resultados confirmaram que ambas as dietas levam a perda de peso, mas somente a dieta cetogênica promoveu aumentos na utilização de proteína como energia, representando perdas de massa muscular!


Posteriormente, em 2021, outro ensaio clínico, também liderado pelo Kevin Hall, confirmou esse fenômeno (4). Nessa pesquisa, foram recrutados 20 participantes (11 homens e 9 mulheres), com idade média de 29 anos e um perfil corporal similar (mesma estatura, percentual de gordura e volume de massa muscular).


O objetivo do estudo foi comparar uma dieta cetogênica com uma dieta vegana na perda de peso em um ensaio clinico cruzado. Essa foi mais uma pesquisa extremamente controlada, onde as dietas foram oferecidas pelos próprios pesquisadores. A oferta calórica foi a mesma, assim como a oferta de proteína, a diferença foi mesmo no consumo de carboidratos ou gorduras, onde na dieta cetogênica apenas 10% das calorias eram provenientes de carboidratos, enquanto 75% eram gorduras. Já na dieta vegana, eles ofereceram exatamente o oposto: 75% das calorias vindas de carboidratos e 10% de gorduras.


Notavelmente, todos os participantes tiveram perda de peso em ambas as dietas, onde a perda mais expressiva foi com a dieta cetogênica, mas quando olhamos para a composição corporal, observamos os reais impactos.


Mais uma vez, os pesquisadores aferiram a composição corporal através do DEXA, onde os resultados indicaram que, apesar da perda de peso, aqueles que seguiram a dieta cetogênica não tiveram reduções significativas na gordura corporal, a perda foi representada por água e massa muscular! Já aqueles que seguiram a dieta vegana tiveram reduções significativas na gordura corporal e não tiveram perda de massa muscular.


Uma meta-análise nesse tema, revisou 13 estudos, somando os resultados de mais de 800 participantes (5). Na média, os estudos observaram que dieta cetogênica promove uma perda de 12.5kg, mas 34% dessa perda de peso é representada por reduções na massa muscular.


Esses estudos ilustram o principal problema da dieta cetogênica: apesar da expressiva perda de peso, boa parte dessa perda é massa muscular. Uma revisão nesse tema discute que existem múltiplas estratégias eficazes na perda de peso, onde a dieta cetogênica só deve ser utilizada em casos muito específicos, como obesidade extrema, visto os potenciais riscos desse padrão alimentar (6).


É muito difícil seguir uma dieta cetogênica a longo prazo


A mesma meta-análise citada anteriormente (5), incluiu apenas estudos com duração de 4 semanas, mas quando olhamos para estudos de longa duração os resultados são bem diferentes. Outra meta-analise (7), avaliou apenas estudos com duração maior que 12 meses, observando que a dieta cetogênica não representou perdas significativas de peso quando comparada com restrições calóricas tradicionais. Como explicar esse resultado?


O problema é que é muito difícil manter uma dieta cetogênica a longo prazo. Um ensaio clínico observou que os participantes consomem, na média, 86 gramas de carboidratos a mais, por dia, depois de um ano seguindo a dieta cetogênica (8).


Ou seja, embora estudos observem perdas expressivas de peso a curto prazo, quando reavaliamos a dieta cetogênica em estudos de longa duração percebemos que esse padrão alimentar não confere benefícios porque é praticamente impossível seguir uma dieta tão rigorosa por tanto tempo. Inclusive, temos uma perda de peso bem mais equilibrada e sustentável com outros padrões alimentares, como a dieta mediterrânea e dietas vegetarianas (9,10).


Implicações na saúde


Dietas que enfatizam o consumo de gorduras, como a dieta cetogênica, geralmente, levam a uma alimentação baseada em alimentos de origem animal, ricos em gorduras saturadas, que levam a uma série de implicações negativas a nossa saúde.


Além disso, a dieta cetogênica envolve uma exclusão muito drástica de carboidratos, representando um baixo consumo de grãos integrais, frutas e vegetais, que devem fazer parte de uma dieta saudável.


Uma revisão recente discute que a dieta cetogênica parece trazer algumas complicações de saúde, especialmente para a saúde cardiovascular (11). De fato, a adesão a uma dieta cetogênica eleva o colesterol LDL e a apolipoproteína B, dois dos principais preditores de risco cardiovascular (12). Inclusive, a restrição de carboidratos parece aumentar a taxa de mortalidade, fato documentado em uma meta-análise de 17 estudos observacionais (13). Como se não bastasse, a dieta cetogênica aumentou a taxa de mortalidade por eventos cardiovasculares quando comparada com uma dieta à base de vegetais em uma revisão sistemática que incluiu os resultados de mais de 400 mil participantes (14).


Muitos ainda falam das melhoras em padrões glicêmicos, onde a dieta cetogênica pode reduzir o risco para diabetes, mas essas melhoraras só são observadas em estudos de curta duração. Estudos de longa duração não observam qualquer benefício da dieta cetogênica em parâmetros glicêmicos ou no risco para diabetes (11,15).


Potenciais aplicações da dieta cetogênica


A dieta cetogênica é classicamente postulada no tratamento de epilepsia. Um revisão recente publicada na revista Nature discute os benefícios desse padrão alimentar no tratamento dessa condição, mas destaca as implicações na qualidade de vida do paciente, incluindo distúrbios metabólicos e dificuldade de adesão a dieta (16).


Outro ponto muito discutido é a aplicabilidade da dieta cetogênica em casos de obesidade extrema, onde outros padrões alimentares não são suficientes para trazer os efeitos desejados (2,5). Nesses casos extremos a dieta cetogênica pode ser uma alternativa, mas isso só deve ser feito com o acompanhamento de um profissional qualificado.


Conclusões


Apesar da popularidade, fato é que a dieta cetogênica não faz sentido para a maioria das pessoas. Essa dieta parece promover perda de peso, mas boa parte dessa perda é massa muscular. Além disso, é praticamente impossível manter uma alimentação tão rigorosa por longos períodos.


Como se não bastasse, a dieta cetogênica pode representar riscos à saúde, especialmente devido aos impactos negativos no risco cardiovascular, fenômeno decorrente do consumo excessivo de alimentos de origem animal que promovem elevações nos principais preditores de risco. Assim, considerando as evidências nesse tema, podemos afirmar que a dieta cetogênica simplesmente não faz sentido!



 

Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 1726


Referências:


1.Mergenthaler, P., Lindauer, U., Dienel, G. A., & Meisel, A. (2013). Sugar for the brain: the role of glucose in physiological and pathological brain function. Trends in neurosciences, 36(10), 587-597.


2.Paoli, A., Rubini, A., Volek, J. S., & Grimaldi, K. A. (2013). Beyond weight loss: a review of the therapeutic uses of very-low-carbohydrate (ketogenic) diets. European journal of clinical nutrition, 67(8), 789-796.


3.Hall, K. D., Chen, K. Y., Guo, J., Lam, Y. Y., Leibel, R. L., Mayer, L. E., ... & Ravussin, E. (2016). Energy expenditure and body composition changes after an isocaloric ketogenic diet in overweight and obese men. The American journal of clinical nutrition, 104(2), 324-333.


4.Hall, K. D., Guo, J., Courville, A. B., Boring, J., Brychta, R., Chen, K. Y., ... & Chung, S. T. (2021). Effect of a plant-based, low-fat diet versus an animal-based, ketogenic diet on ad libitum energy intake. Nature medicine, 27(2), 344-353.


5.Castellana, M., Conte, E., Cignarelli, A., Perrini, S., Giustina, A., Giovanella, L., ... & Trimboli, P. (2020). Efficacy and safety of very low calorie ketogenic diet (VLCKD) in patients with overweight and obesity: A systematic review and meta-analysis. Reviews in Endocrine and Metabolic Disorders, 21(1), 5-16.


6.Kim, J. Y. (2020). Optimal diet strategies for weight loss and weight loss maintenance. Journal of obesity & metabolic syndrome, 30(1), 20.


7.Bueno, N. B., de Melo, I. S. V., de Oliveira, S. L., & da Rocha Ataide, T. (2013). Very-low-carbohydrate ketogenic diet v. low-fat diet for long-term weight loss: a meta-analysis of randomised controlled trials. British journal of nutrition, 110(7), 1178-1187.


8.Alhassan, S., Kim, S., Bersamin, A., King, A. C., & Gardner, C. D. (2008). Dietary adherence and weight loss success among overweight women: results from the A TO Z weight loss study. International journal of obesity, 32(6), 985-991.


9.Di Rosa, C., Lattanzi, G., Spiezia, C., Imperia, E., Piccirilli, S., Beato, I., ... & Khazrai, Y. M. (2022). Mediterranean diet versus very low-calorie ketogenic diet: effects of reaching 5% body weight loss on body composition in subjects with overweight and with obesity—a cohort study. International journal of environmental research and public health, 19(20), 13040.


10.Barnard, N. D., Levin, S. M., & Yokoyama, Y. (2015). A systematic review and meta-analysis of changes in body weight in clinical trials of vegetarian diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 115(6), 954-969.


11.Popiolek-Kalisz, J. (2024). Ketogenic diet and cardiovascular risk–state of the art review. Current problems in cardiology, 102402.


12.Joo, M., Moon, S., Lee, Y. S., & Kim, M. G. (2023). Effects of very low-carbohydrate ketogenic diets on lipid profiles in normal-weight (body mass index< 25 kg/m2) adults: a meta-analysis. Nutrition Reviews, 81(11), 1393-1401.


13.Noto, H., Goto, A., Tsujimoto, T., & Noda, M. (2013). Low-carbohydrate diets and all-cause mortality: a systematic review and meta-analysis of observational studies. PloS one, 8(1), e55030.


14.Ghorbani, Z., Kazemi, A., Shoaibinobarian, N., Taylor, K., & Noormohammadi, M. (2023). Overall, plant-based, or animal-based low carbohydrate diets and all-cause and cause-specific mortality: A systematic review and dose-response meta-analysis of prospective cohort studies. Ageing Research Reviews, 101997.


15.Bolla, A. M., Caretto, A., Laurenzi, A., Scavini, M., & Piemonti, L. (2019). Low-carb and ketogenic diets in type 1 and type 2 diabetes. Nutrients, 11(5), 962.


16.Ruan, Y., Chen, L., She, D., Chung, Y., Ge, L., & Han, L. (2022). Ketogenic diet for epilepsy: an overview of systematic review and meta-analysis. European Journal of Clinical Nutrition, 76(9), 1234-1244.

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