Nutrição e câncer: uma nova fronteira na busca pela cura
- Cláudio Bender
- 12 de mai.
- 9 min de leitura
Atualizado: 19 de mai.

Quando falamos de câncer, muitos pensam em quimioterapia, radioterapia e outras intervenções médicas. De fato, os tratamentos tradicionais evoluíram muito e salvam vidas, mas não são a única solução!
Já é bem aceito pela população (e pela comunidade científica) que a dieta é um dos principais fatores na prevenção do câncer, mas o que pouca gente sabe é que uma alimentação adequada também pode ser fundamental no tratamento dessa doença. E eu não estou falando só de prevenir desnutrição, não! O que eu estou falando aqui é da terapia dietética aplicada para tratar e prevenir a recorrência de vários tipos de câncer.
Nesse texto, eu vou trazer as melhores evidências científicas nesse tema para entendermos como a nutrição pode tratar o câncer.
Câncer não é só genética!
Até hoje, há quem acredite que o câncer é uma doença predominantemente genética, mas isso não é verdade! Estudos esclarecem que apenas 10% dos casos de câncer têm origem em fatores genéticos. Os outros 90% são causados por fatores de estilo de vida, em especial a dieta (1).
Aliás, a dieta é o principal fator de risco para o desenvolvimento de múltiplos tipos de câncer, representando cerca de 25% de todos os casos (2).
Vale esclarecer também que o câncer não é uma doença aguda, mas sim crônica, ou seja, levam anos, ou até décadas, para essa doença se manifestar. Nesse contexto, uma dieta adequada certamente irá reduzir o risco para essa doença, especialmente quando há uma adesão a longo prazo.
Mas aqui nós não estamos interessados na prevenção, mas sim no tratamento do câncer! Afinal, será que é possível tratar essa doença através da dieta? Se sim, como?

Vamos olhar para os estudos?
Antes de entrarmos nessa discussão, é importante deixar claro que a dieta, sozinha, dificilmente irá curar o câncer. Embora isso seja possível, é fundamental sempre buscar uma orientação médica, já que cada tipo de câncer tem um tratamento específico, e como eu já destaquei no começo do texto, isso pode ser a diferença entre salvar ou não uma vida.
A dieta é uma excelente aliada para os tratamentos tradicionais, e após esse tratamento, se torna um dos fatores mais relevantes para um paciente em remissão, e nós temos diversos estudos que comprovam isso!
Uma revisão publicada em 2022 avaliou toda a literatura científica, selecionando os 30 melhores estudos nesse tema (3). O objetivo dessa pesquisa foi responder à nossa pergunta: como a dieta pode tratar o câncer e auxiliar um paciente em remissão? Vamos olhar para esse estudo?
Hora de falar de ciência!
Os estudos selecionados foram conduzidos em diversos países da América do Norte, Europa e Ásia. Foram intervenções que avaliaram a taxa de mortalidade de paciente em remissão do câncer (inclusive, foram estudos de longa duração: pelo menos 5 anos de intervenção).
O que eles observaram é que não existe um alimento “mágico”, capaz de curar o câncer, muito menos um alimento que sozinho irá agravar drasticamente o prognóstico, mas o estudo trouxe respostas muito valiosas.
Os pesquisadores constataram que, em geral, o consumo de fibras é um dos fatores mais determinantes, já que boa parte das pesquisas observam uma menor taxa de mortalidade naqueles que têm um maior consumo desse elemento nutricional (3).
O consumo de vegetais também parece ser importante, especialmente os vegetais crucíferos (como brócolis e rúcula) e vegetais ricos em beta-caroteno (como cenoura e batata-doce). Isso foi constatado, por exemplo, em um estudo com mais de 8 mil mulheres (4).
Inclusive, esse mesmo estudo (4) observou que o consumo de algumas frutas (especialmente o mirtilo) parece reduzir a taxa de mortalidade, enquanto o consumo de sucos aumentou o número de mortes em pacientes com câncer! Vamos falar sobre isso?

Carboidratos não são os vilões, mas a qualidade importa!
O consumo de carboidratos parece aumentar a taxa de mortalidade em pacientes portadores de câncer, mas o tipo de carboidrato faz toda a diferença!
Carboidratos complexos, encontrados em grãos integrais e vegetais, reduzem a taxa de mortalidade, enquanto carboidratos refinados, como açúcar, farinhas processadas e sucos naturais, aumentam a taxa de óbitos.
Inclusive, um estudo com mais de 1000 participantes constatou que substituir carboidratos refinados por grãos integrais reduziu a mortalidade em pacientes com câncer colorretal em 13% (5). Como se não bastasse, outro estudo com 992 participantes (6) observou que o consumo de carboidratos refinados aumentou a taxa de mortalidade em 88%.
E as gorduras, podem causar câncer?
Assim como os carboidratos, gorduras não são sempre um problema, mas vale notar que nem toda gordura é igual! Gorduras saturadas de origem animal parecem conferir riscos, enquanto as gorduras de origem vegetal exercem efeitos protetores.
Um estudo com 926 homens portadores de câncer de próstata observou que substituir 10% das calorias diárias provenientes de gorduras de origem animal por gorduras vegetais reduziu a taxa de mortalidade em 44% (7).
Castanhas também parecem ser benéficas. Um estudo com 3449 mulheres portadoras de câncer de mama observou uma redução de 50% na recorrência, metástase e mortalidade naquelas mulheres que consumiam pelo menos 17 gramas de castanhas por dia (8).
Outro estudo também observou uma redução na taxa de mortalidade em 826 pacientes portadores de câncer colorretal a partir do consumo de castanhas (9).

A soja é benéfica para pacientes com câncer!
Um alimento que chama a atenção nesses estudos é a soja. Essa leguminosa contém naturalmente uma classe de fitoquímicos chamados de isoflavonas que parecem ter implicações relevantes, principalmente no câncer de mama (10).
Diversos estudos observam uma redução na taxa de mortalidade em mulheres portadoras de câncer de mama a partir do consumo regular de soja e seus derivados (3,10). Isso foi observado, por exemplo, em um estudo conduzido com mais de 6 mil mulheres acompanhadas por 9 anos (11).
E quanto à carne vermelha?
A carne vermelha é um dos alimentos mais fortemente associados com câncer, inclusive a OMS classifica esse alimento como potencialmente cancerígeno (12). As evidências são tão robustas que os estudos sugerem reduzir ou até eliminar o consumo de carne vermelha em pacientes portadores de câncer (3,10).
Uma revisão (13) avaliou outros 10 estudos, somando os resultados de mais de 7 mil pacientes portadores de câncer colorretal (o principal tipo de câncer associado com o consumo de carne vermelha). Eles observaram que um consumo moderado de carne vermelha não parece influenciar significativamente o prognóstico desses indivíduos, mas aqueles que tinham um consumo elevado tiveram um maior risco de óbito, sugerindo que a carne pode ser um problema se consumida em excesso.
Leite causa câncer?
Se tem um alimento que parece prejudicar o prognóstico de pacientes com câncer, é o leite. Embora seja uma boa fonte de cálcio e proteína, o leite também contém uma série de hormônios e fatores de crescimento que podem acelerar a proliferação de tumores. Além disso, o leite é frequentemente contaminado com bisfenol A, aflatoxina, microplásticos e pesticidas (14).
Inclusive, um estudo de randomização mendeliana publicado em 2021 comprovou que o leite de fato parece causar câncer de mama (15). Quer saber mais sobre o leite? Clique aqui!

Suplementos antioxidantes e probióticos
Outra questão é o uso de suplementos nutricionais para pacientes portadores de câncer. Como essa doença que se origina em processos oxidativos, parece ser sensato usar suplementos antioxidantes, mas será que isso é uma boa ideia?
Diversos estudos tentam responder a essa pergunta e os resultados são inconsistentes. Em geral, o uso de vitaminas antioxidantes (na forma de suplemento) como vitamina C e E não parece exercer qualquer benefício e pode até ser prejudicial (16).
Um dos principais mecanismos de ação da quimioterapia e radioterapia é através do estresse oxidativo, nesse contexto o uso de antioxidantes pode limitar a eficácia desses tratamentos. Além disso, a atividade imune depende de um certo nível de estresse oxidativo, logo, o uso excessivo de antioxidantes pode gerar impactos negativos (16).
Vale notar que quando oferecemos esses mesmos antioxidantes em sua forma natural, ou seja, na forma de alimentos, nós só observamos benefícios, então você não deve evitar alimentos com alta atividade antioxidante.
Por fim, o uso de probióticos parece exercer benefícios, especialmente para pacientes portadores de câncer de cólon. Probióticos são bactérias benéficas, as mais estudadas são das espécies de lactobacilos e bifidobactérias. Quer saber mais? Clique aqui!
Mas, vale notar que os resultados são preliminares e a maioria dos estudos são com animais, então precisamos de mais pesquisas para termos conclusões definitivas dos benefícios do uso de probióticos em pacientes com câncer (17).
Conclusões e dicas:
Quando olhamos para as evidências científicas, fica bem claro que a dieta é, de fato, um dos fatores mais determinantes para pacientes portadores de câncer. Em geral, podemos dizer que a melhor dieta é aquela que se baseia em alimentos de origem vegetal, rica em frutas, vegetais e grãos integrais, que oferece uma ampla oferta de fibras.
Os alimentos que devem ser evitados são os ultra processados, em geral, carboidratos refinados como açúcar e farinhas processadas. Sucos também devem ser evitados, assim como a carne vermelha e o leite, alimentos que parecem aumentar o risco para câncer.
Por fim, o uso de suplementos antioxidantes não é recomendado, podendo inclusive trazer efeitos negativos. Já o uso de probióticos parece ser benéfico, mas ainda não temos conclusões definitivas.
Dicas:
Consuma uma grande variedade de alimentos de origem vegetal, especialmente aqueles ricos em fibras;
Inclua frutas e vegetais na sua rotina, especialmente brócolis, rúcula, batata-doce e cenoura;
Inclua também frutas na sua dieta;
Evite consumir sucos naturais;
Evite, ou até exclua, açúcar e farinhas refinadas da sua dieta;
Evite gorduras de origem animal e prefira as de origem vegetal;
Evite alimentos como carne vermelha e leite, se você está preocupado com a proteína, prefira os derivados da soja;
Não use suplementos por conta própria, eles podem até te prejudicar;
Considere o uso de probióticos, mas lembre-se que o consumo de fibras é bem mais importante;
Na dúvida, busque um profissional qualificado para te ajudar!
Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 1726
Referências:
1.Gonzalez, C. A., & Riboli, E. (2010). Diet and cancer prevention: Contributions from the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC) study. European journal of cancer, 46(14), 2555-2562.
2.Colditz, G. A., Sellers, T. A., & Trapido, E. (2006). Epidemiology—identifying the causes and preventability of cancer?. Nature Reviews Cancer, 6(1), 75-83.
3.Hardt, L., Mahamat-Saleh, Y., Aune, D., & Schlesinger, S. (2022). Plant-based diets and cancer prognosis: a review of recent research. Current Nutrition Reports, 11(4), 695-716.
4.Farvid, M. S., Holmes, M. D., Chen, W. Y., Rosner, B. A., Tamimi, R. M., Willett, W. C., & Eliassen, A. H. (2020). Postdiagnostic fruit and vegetable consumption and breast cancer survival: prospective analyses in the nurses' health studies. Cancer research, 80(22), 5134-5143.
5.Farvid, M. S., Barnett, J. B., Spence, N. D., Rosner, B. A., & Holmes, M. D. (2021). Types of carbohydrate intake and breast cancer survival. European journal of nutrition, 60(8), 4565-4577.
6.Brown, J. C., Zhang, S., Niedzwiecki, D., Saltz, L. B., Mayer, R. J., Mowat, R. B., ... & Meyerhardt, J. A. (2018). Grain intake and clinical outcome in stage III colon cancer: results from CALGB 89803 (Alliance). JNCI Cancer Spectrum, 2(2), pky017.
7.Van Blarigan, E. L., Kenfield, S. A., Yang, M., Sesso, H. D., Ma, J., Stampfer, M. J., ... & Chavarro, J. E. (2015). Fat intake after prostate cancer diagnosis and mortality in the Physicians’ Health Study. Cancer Causes & Control, 26, 1117-1126.
8.Wang, C., Gu, K., Wang, F., Cai, H., Zheng, W., Bao, P., & Shu, X. O. (2022). Nut consumption in association with overall mortality and recurrence/disease‐specific mortality among long‐term breast cancer survivors. International journal of cancer, 150(4), 572-579.
9.Fadelu, T., Zhang, S., Niedzwiecki, D., Ye, X., Saltz, L. B., Mayer, R. J., ... & Fuchs, C. S. (2018). Nut consumption and survival in patients with stage III colon cancer: results from CALGB 89803 (Alliance). Journal of Clinical Oncology, 36(11), 1112-1120.
10.De Cicco, P., Catani, M. V., Gasperi, V., Sibilano, M., Quaglietta, M., & Savini, I. (2019). Nutrition and breast cancer: a literature review on prevention, treatment and recurrence. Nutrients, 11(7), 1514.
11.Zhang, F. F., Haslam, D. E., Terry, M. B., Knight, J. A., Andrulis, I. L., Daly, M. B., ... & John, E. M. (2017). Dietary isoflavone intake and all‐cause mortality in breast cancer survivors: The Breast Cancer Family Registry. Cancer, 123(11), 2070-2079.
12.Bouvard, V., Loomis, D., Guyton, K. Z., Grosse, Y., El Ghissassi, F., Benbrahim-Tallaa, L., ... & Straif, K. (2015). Carcinogenicity of consumption of red and processed meat. The Lancet Oncology, 16(16), 1599-1600.
13.Carr, P. R., Banbury, B. L., Berndt, S. I., Campbell, P. T., Chang-Claude, J., Hayes, R. B., ... & Hoffmeister, M. (2019). Association between intake of red and processed meat and survival in patients with colorectal cancer in a pooled analysis. Clinical gastroenterology and hepatology, 17(8), 1561-1570.
14.Melnik, B. C., John, S. M., Carrera-Bastos, P., Cordain, L., Leitzmann, C., Weiskirchen, R., & Schmitz, G. (2023). The role of cow’s milk consumption in breast cancer initiation and progression. Current Nutrition Reports, 12(1), 122-140.
15.Tan, V. Y., Bull, C. J., Biernacka, K. M., Teumer, A., Richardson, T. G., Sanderson, E., ... & Timpson, N. J. (2021). Investigation of the interplay between circulating lipids and IGF-I and relevance to breast cancer risk: an observational and Mendelian randomization study. Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, 30(12), 2207-2216.
16.Athreya, K., & Xavier, M. F. (2017). Antioxidants in the treatment of cancer. Nutrition and cancer, 69(8), 1099-1104.
17.Tang, G., & Zhang, L. (2022). Update on strategies of probiotics for the prevention and treatment of colorectal cancer. Nutrition and Cancer, 74(1), 27-38.
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