Com certeza você já ouviu falar sobre intolerância à lactose, uma das sensibilidades alimentares mais comuns no mundo. Estudos estimam que boa parte da população mundial sofre com intolerância à lactose, e muitos nem sabem porque não apresentam sintomas!
Nesse texto eu vou discutir essa questão, te ajudando a entender mais sobre a intolerância à lactose e como tratar essa condição.
O que é intolerância à lactose?
Intolerância à lactose nada mais é do que uma incapacidade de digerir os carboidratos presentes no leite, ocorrendo devido a uma disfunção na enzima lactase (1).
Para quem não sabe, o processo digestivo depende de enzimas que atuam “quebrando" moléculas maiores em pequenas frações para serem propriamente absorvidas. No caso específico da lactose, nós temos a enzima lactase que atua quebrando a ligação entre galactose e glicose (os açúcares presentes no leite).
Ocorre que mamíferos foram desenhados para consumir leite somente nos primeiros anos de vida, de forma que deixam de produzir a enzima lactase naturalmente, consequentemente, levando a uma incapacidade de digerir lactose. Apesar disso, nós humanos nos tornamos “resistentes" depois de muitas e muitas gerações consumindo leite (2).
Nessa óptica, todos nós deveríamos ser intolerantes à lactose, mas algumas exceções ocorrem, especialmente em países do norte da Europa, onde o consumo de leite e seus derivados faz parte da cultura alimentar há séculos (2). Ou seja, a intolerância à lactose não é, necessariamente, uma doença, na verdade, é um fenômeno natural. O que é anormal é consumir leite durante a vida adulta!
A intolerância à lactose é bem mais comum do que você imagina!
A sensibilidade aos carboidratos do leite não é uma condição isolada que afeta uma pequena parcela da população, na verdade, é uma intolerância bem recorrente, afetando boa parte das pessoas. Estudos estimam que mais de 60% da população mundial sofre com algum nível de intolerância à lactose, onde em alguns países esse valor chega perto de 100% (3).
Em países da África e da Ásia, por exemplo, mais de 99% das pessoas são intolerantes (3), e isso não é surpresa, visto que o leite não faz parte da cultura alimentar nesses países, logo, é esperado que as pessoas não produzam lactase durante a vida adulta, afinal isso não é natural!
Como saber se eu tenho intolerância à lactose?
Diagnosticar a intolerância à lactose é bem mais difícil do que você pensa. Existem vários níveis de intolerância e em alguns casos sequer observamos sintomas! Como se não bastasse, os exames que temos hoje não são muito precisos, vamos avaliar alguns deles?
Exame genético: esse exame consiste em isolar o DNA, obtido por meio de amostras sanguíneas, e subsequente análise para identificar polimorfismos específicos associados com intolerância à lactose. Apesar de ter se popularizado nos últimos anos, esse exame tem várias limitações, já que a presença de um padrão genético não significa, necessariamente, uma intolerância, somente indica um maior risco (4).
Teste respiratório de hidrogênio expirado: esse é um dos exames mais usados, onde medimos a quantidade de hidrogênio expirado. Ocorre que quando não digerimos lactose, temos a fermentação de bactérias que produzem gases, como o hidrogênio, assim podemos medir esse gás para identificar uma possível intolerância. O problema é falsos positivos podem ocorrer devido a uma série de outros fatores, como uso de antibióticos, medicamentos, probióticos e até mesmo o exercício físico. Estudos estimam que esse teste é falho em cerca de 18% dos exames (5).
Biópsia duodenal: esse teste consiste em coletar uma amostra do duodeno por endoscopia, onde é feita uma análise do tecido para identificar a intolerância alimentar. O problema desse teste é que ele também não é preciso, além de ser muito invasivo (6).
Teste de intolerância à lactose: esse teste consiste em administrar cerca de 50g de lactose ao paciente, monitorando a glicemia na tentativa de observar anormalidades. Pessoas que digerem bem a lactose, apresentam elevações bem consideráveis na glicemia após o seu consumo, enquanto intolerantes tendem a não apresentar tais elevações (já que não digerem bem esse carboidrato). O problema é esse teste, assim como os anteriores, não é preciso, onde falsos diagnósticos ocorrem em 20% dos exames (7).
Por que a intolerância à lactose é um problema?
Além de causar desconforto ao paciente, a intolerância à lactose, quando não tratada, pode acarretar uma série de complicações de saúde (1).
Quando a lactose não é propriamente digerida, bactérias presentes no intestino fermentam esse carboidrato, causando inflamação, distensão abdominal, produção excessiva de gases e disbiose. Esse quadro, além de causar irritação intestinal, aumenta o risco para outras doenças como ansiedade e depressão (8,9).
Além disso, estudos sugerem que essa intolerância alimentar pode causar sintomas como: perda de memória, dor de cabeça, dor muscular, arritmia cardíaca, distúrbios no ciclo menstrual e acne (10,11). Como se não bastasse, estudos observam que a intolerância à lactose parece aumentar consideravelmente o risco para câncer colorretal (12).
Como tratar a intolerância à lactose?
Existem várias abordagens para o tratamento dessa condição, que variam conforme a severidade e sintomas do paciente.
Alguns indivíduos toleram pequenas porções de derivados do leite, como iogurtes e queijos, mas devem evitar o consumo do alimento in natura (visto que queijos e iogurtes, quase sempre, contém quantidades bem menores de lactose devido ao processo fermentativo).
Em alguns casos também é possível consumir a enzima lactase ou preferir alimentos zero lactose (que são previamente tratados com essa enzima), mas isso não funciona para todo mundo! Algumas pessoas apresentam quadros de inflamação intestinal e disbiose, mesmo consumindo produtos zero lactose, já que esses produtos podem conter traços desse carboidrato.
Além disso, como eu já citei ao longo do texto, algumas pessoas são intolerantes, mas não apresentando sintomas, e o problema se agrava quando os exames apresentam falsos negativos, já que tais testes estão longe de serem precisos! O que fazer, então?
A melhor solução é excluir o leite da dieta!
Diante dos fatos que apresentei nesse texto, acredito que tenha ficado bem claro que a intolerância à lactose não é uma condição fácil de diagnosticar, muito menos de tratar! Como nós estamos falando de um problema recorrente na população (que eu insisto, afeta mais de 60% das pessoas), a melhor solução é retirar o leite da dieta!
Vale notar que o leite não é um alimento essencial! A indústria ficou empurrando essa ideia falsa por décadas, mas hoje estudos esclarecem que o consumo regular de leite não parece prevenir doenças ósseas (13,14). Como se não bastasse, o consumo de leite parece aumentar o risco para câncer de próstata (15) e câncer de mama (16), além de aumentar a taxa de mortalidade (17). Clique aqui para saber mais!
E se você está pensando em proteína e cálcio, existem diversas fontes vegetais desses nutrientes, que suprem tranquilamente a necessidade diária, sem conferir riscos a nossa saúde! Clique aqui para saber mais!
Conclusões e dicas
A intolerância à lactose é uma condição bem comum, que afeta boa parte da população mundial. Muitas pessoas sofrem com essa condição, e alguns sequer apresentam sintomas, mas, de qualquer forma, isso representa riscos à saúde.
Os exames para diagnosticar a intolerância à lactose não são nada precisos e o consumo de leite confere riscos que vão muito além dessa sensibilidade alimentar, logo, a melhor alternativa é evitar, ou até mesmo excluir o leite da dieta!
Dicas:
Evite consumir leite regularmente, especialmente se você já apresenta sintomas como distensão abdominal, dor e flatulência;
Mesmo se você não apresentar sintomas, considere evitar esse alimento porque você pode ser intolerante e não saber;
Lembre-se que os exames não são muito precisos, podendo confundir mais do que ajudar;
Consumir derivados do leite e produtos zero lactose, não é uma estratégia inteligente, já que o leite não é um alimento essencial;
Lembre-se que existem fontes vegetais de proteína e cálcio, que são muito mais saudáveis que o leite.
Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 1726
Referências:
1.Catanzaro, R., Sciuto, M., & Marotta, F. (2021). Lactose intolerance: An update on its pathogenesis, diagnosis, and treatment. Nutrition Research, 89, 23-34.
2.Swagerty Jr, D. L., Walling, A. D., & Klein, R. M. (2002). Lactose intolerance. American family physician, 65(9), 1845-1851.
3.Storhaug, C. L., Fosse, S. K., & Fadnes, L. T. (2017). Country, regional, and global estimates for lactose malabsorption in adults: a systematic review and meta-analysis. The Lancet Gastroenterology & Hepatology, 2(10), 738-746.
4.Santonocito, C., Scapaticci, M., Guarino, D., Annicchiarico, E. B., Lisci, R., Penitente, R., ... & Capoluongo, E. (2015). Lactose intolerance genetic testing: Is it useful as routine screening? Results on 1426 south–central Italy patients. Clinica Chimica Acta, 439, 14-17.
5.Gallagher, J., Kirton, E., Anderson-Leary, L., Hewitt, S., Burke, J., & Jackson, W. (2019). PWE-079 Lactose intolerance hydrogen breath testing: extending the sample duration time reduces a false negative diagnosis.
6.Ojetti, V., La Mura, R., Zocco, M. A., Cesaro, P., De Masi, E., Mazza, A. L., ... & Gasbarrini, A. (2008). Quick test: a new test for the diagnosis of duodenal hypolactasia. Digestive diseases and sciences, 53, 1589-1592.
7.Domínguez-Jiménez, J. L., Fernández-Suárez, A., Ruiz-Tajuelos, S., Puente-Gutiérrez, J. J., & Cerezo-Ruiz, A. (2014). Lactose tolerance test shortened to 30 minutes: An exploratory study of its feasibility and impact. Rev Esp Enferm Dig, 106(6), 381-5.
8.Misselwitz, B., Butter, M., Verbeke, K., & Fox, M. R. (2019). Update on lactose malabsorption and intolerance: pathogenesis, diagnosis and clinical management. Gut, 68(11), 2080-2091.
9.Casellas, F., Aparici, A., Pérez, M. J., & Rodríguez, P. (2016). Perception of lactose intolerance impairs health-related quality of life. European journal of clinical nutrition, 70(9), 1068-1072.
10.Matthews, S. B., Waud, J. P., Roberts, A. G., & Campbell, A. K. (2005). Systemic lactose intolerance: a new perspective on an old problem. Postgraduate medical journal, 81(953), 167-173.
11.Aghasi, M., Golzarand, M., Shab-Bidar, S., Aminianfar, A., Omidian, M., & Taheri, F. (2019). Dairy intake and acne development: a meta-analysis of observational studies. Clinical Nutrition, 38(3), 1067-1075.
12.Shrier, I., Szilagyi, A., & Correa, J. A. (2008). Impact of lactose containing foods and the genetics of lactase on diseases: an analytical review of population data. Nutrition and cancer, 60(3), 292-300.
13.Matía-Martín, P., Torrego-Ellacuría, M., Larrad-Sainz, A., Fernández-Pérez, C., Cuesta-Triana, F., & Rubio-Herrera, M. Á. (2019). Effects of milk and dairy products on the prevention of osteoporosis and osteoporotic fractures in Europeans and non-Hispanic Whites from North America: a systematic review and updated meta-analysis. Advances in Nutrition, 10, S120-S143.
14.Bian ShanShan, B. S., Hu JingMin, H. J., Zhang Kai, Z. K., Wang YunGuo, W. Y., Yu MiaoHui, Y. M., & Ma Jie, M. J. (2018). Dairy product consumption and risk of hip fracture: a systematic review and metaanalysis.
15.Aune, D., Rosenblatt, D. A. N., Chan, D. S., Vieira, A. R., Vieira, R., Greenwood, D. C., ... & Norat, T. (2015). Dairy products, calcium, and prostate cancer risk: a systematic review and meta-analysis of cohort studies. The American journal of clinical nutrition, 101(1), 87-117.
16.Melnik, B. C., John, S. M., Carrera-Bastos, P., Cordain, L., Leitzmann, C., Weiskirchen, R., & Schmitz, G. (2023). The role of cow’s milk consumption in breast cancer initiation and progression. Current Nutrition Reports, 12(1), 122-140.
17.Ding, M., Li, J., Qi, L., Ellervik, C., Zhang, X., Manson, J. E., ... & Hu, F. B. (2019). Associations of dairy intake with risk of mortality in women and men: three prospective cohort studies. bmj, 367.
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