Um dos principais argumentos para descredibilizar uma dieta vegetariana é o consumo de proteína. Muitos acreditam que precisamos de proteínas de origem animal para ter saúde e manutenção de massa muscular, o que não faz o menor sentido!
É verdade que a oferta de proteína fica um tanto limitada quando aderimos uma alimentação à base de vegetais, mas isso não significa que vamos necessariamente sofrer com deficiências nutricionais.
Estudos observam que vegetarianos e veganos têm um consumo ótimo de proteína (1), e inclusive apresentam uma série de benefícios à saúde por evitarem (ou até mesmo excluírem) as proteínas animais da dieta.
Vegetarianos não têm deficiência de proteína!
Vários estudos, com grandes populações de vegetarianos e veganos, não observam deficiência de proteína nesses indivíduos!
Um dos melhores estudos nessa temática foi conduzido nos EUA com Adventistas do Sétimo Dia (2). Nesse estudo, eles avaliaram a dieta de 5.694 veganos, onde, na média, eles consumiam 71 gramas de proteína por dia. Esse consumo representou 14% do valor energético diário, bem acima dos 10% recomendados pela OMS.
O estudo EPIC-Oxford (3) conduzido na Inglaterra, também é um dos mais relevantes nesse tema. Eles observam um consumo médio de 64 gramas de proteína/dia em uma população de 803 veganos, representando 0,99 gramas por kg de peso (bem acima da recomendação de 0.8g/kg preconizada pela RDA).
Outro estudo, conduzido na França (4), observou um consumo médio de 62g de proteína/dia em uma população de 789 veganos, novamente acima da recomendação. Resultados similares são observados em estudos na Bélgica, Dinamarca, e até mesmo no Brasil (5-7).
Uma revisão recente (8), avaliou de forma sistemática toda a literatura nesse tema e não observou deficiência de proteína em 141 estudos com vegetarianos e veganos! Os autores sequer citam o consumo de proteína como algo a se preocupar em dietas à base de vegetais.
As pessoas já consomem mais proteína do que precisam...
Estudos populacionais, conduzidos em diversos países, estimam que as pessoas consomem mais proteína do que realmente precisam! Na média, a população mundial consome 78 gramas de proteína por dia (9), representando algo na faixa de 1.1g por kg de peso (a recomendação é 0.8g/dia).
No Brasil, o consumo de proteína também é alto, ficando na mesma faixa da população mundial (1.1g/kg), mas em regiões metropolitanas, como na cidade de São Paulo, esse consumo fica na média de 1.6g por kg de peso (10,11).
Muita proteína pode até ser deletério para a sua saúde!
Embora a proteína seja essencial para diversos aspectos fisiológicos, o seu excesso pode prejudicar a sua saúde!
Estudos têm observado que um elevado consumo de proteína (especialmente de origem animal) é associado com um maior risco para doenças cardiovasculares, câncer, e uma maior taxa de mortalidade (12,13).
Isso ocorre devido à capacidade das proteínas de ativar vias anabólicas. É bem definido, por exemplo, que proteínas de origem animal estimulam a produção de GH e IFG-1, fatores de crescimento, fortemente associados com um maior risco para câncer e eventos cardiovasculares (12).
Um estudo recente observou que as proteínas de origem animal aumentaram a incidência de eventos cardiovasculares em um grupo de mais de 79 mil indivíduos (12). Nesse estudo, eles também observaram que as proteínas de origem vegetal foram associadas com um risco 55% menor para eventos cardiovasculares, mesmo após ajustar os dados considerando outros fatores de risco.
Dietas ricas em proteínas de origem animal, inclusive, são associadas com uma menor expectativa de vida, enquanto as de proteínas de origem vegetal parecem promover longevidade (13).
Mas e quanto ao ganho de massa muscular?
Quando o objetivo é ter ganho de massa muscular, a história é bem diferente! A demanda de proteína para promover hipertrofia muscular é bem mais alta do que aquela para suprir a necessidade diária, ficando na faixa de 1.6g por kg de peso.
Mas, não parece fazer muita diferença se a proteína é de origem animal ou vegetal! Um estudo recente não observou nenhuma diferença significativa na hipertrofia muscular de veganos e onívoros que consumiam 1.6g de proteína por kg de peso (14).
Conforme exposto anteriormente, é bem esclarecido que as proteínas de origem vegetal são mais saudáveis, e como os resultados parecem ser similares, é preferível consumir proteínas vegetais se o objetivo é ganhar massa muscular de forma saudável.
Conclusões e dicas
Diante do exposto, eu espero que tenha ficado claro que vegetarianos não sofrem, de forma alguma, com deficiência de proteína! Na verdade, todos os estudos nessa temática observam um consumo adequado desse macronutriente em populações de vegetarianos e veganos.
Por outro lado, a população em geral parece consumir mais proteína do que o necessário, e isso pode aumentar o risco para diversas doenças, assim como a taxa de mortalidade.
Dicas:
Não se preocupe tanto com a proteína, provavelmente você já consome mais do que precisa;
Mesmo em uma dieta vegana, a tendência é exceder a necessidade de proteína, especialmente se você já inclui boas fontes vegetais desse macronutriente na sua dieta;
De qualquer forma, todo cuidado é pouco, então inclua alimentos como feijão, grão-de-bico e os derivados da soja se a sua dieta for vegana;
Se o seu objetivo é ganhar massa muscular, consuma algo na faixa de 1.6g de proteína por kg de peso;
Na dúvida, busque um nutricionista para te ajudar.
Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 17268
Referências:
1.Mariotti, F., & Gardner, C. D. (2019). Dietary protein and amino acids in vegetarian diets—A review. Nutrients, 11(11), 2661.
2.Rizzo, N. S., Jaceldo-Siegl, K., Sabate, J., & Fraser, G. E. (2013). Nutrient profiles of vegetarian and nonvegetarian dietary patterns. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 113(12), 1610-1619.
3.Sobiecki, J. G., Appleby, P. N., Bradbury, K. E., & Key, T. J. (2016). High compliance with dietary recommendations in a cohort of meat eaters, fish eaters, vegetarians, and vegans: results from the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition–Oxford study. Nutrition Research, 36(5), 464-477.
4.Allès, B., Baudry, J., Méjean, C., Touvier, M., Péneau, S., Hercberg, S., & Kesse-Guyot, E. (2017). Comparison of sociodemographic and nutritional characteristics between self-reported vegetarians, vegans, and meat-eaters from the NutriNet-Santé study. Nutrients, 9(9), 1023.
5.Clarys, P., Deliens, T., Huybrechts, I., Deriemaeker, P., Vanaelst, B., De Keyzer, W., ... & Mullie, P. (2014). Comparison of nutritional quality of the vegan, vegetarian, semi-vegetarian, pesco-vegetarian and omnivorous diet. Nutrients, 6(3), 1318-1332.
6.Kristensen, N. B., Madsen, M. L., Hansen, T. H., Allin, K. H., Hoppe, C., Fagt, S., ... & Pedersen, O. (2015). Intake of macro-and micronutrients in Danish vegans. Nutrition journal, 14, 1-10.
7.Ribeiro, M. F., Beraldo, R. A., Touso, M. F. D. E. S., & Vassimon, H. S. (2015). Ingestão alimentar, perfil bioquímico e estado nutricional entre vegetarianos e não vegetarianos. Arq Ciênc Saúde, 22(3), 58-63.
8.Neufingerl, N., & Eilander, A. (2021). Nutrient intake and status in adults consuming plant-based diets compared to meat-eaters: A systematic review. Nutrients, 14(1), 29.
9.Reedy, J., Cudhea, F., Shi, P., Zhang, J., Onopa, J., Miller, V., ... & Mozaffarian, D. (2019). Global intakes of total protein and sub-types; findings from the 2015 global dietary database (P10-050-19). Current Developments in Nutrition, 3, 3013384.
10.Herrera-Cuenca, M., Yépez García, M. C., Cortés Sanabria, L. Y., Hernández, P., Sifontes, Y., Ramírez, G., ... & Landaeta-Jiménez, M. (2023). Contribution of Proteins to the Latin American Diet: Results of the ELANS Study. Nutrients, 15(3), 669.
11.Anselmo, M. A. D. C., Burini, R. C., Angeleli, A. Y. O., Mota, N. G. D. S., & Campana, Á. O. (1992). Assessment of nutritional status of healthy middle class young and adult subjects living in Botucatu, State of S. Paulo, Brazil: energy and protein intakes, anthropometric and blood biochemical estimations and immunocompetence tests. Revista de Saúde Pública, 26, 46-53.
12.Tharrey, M., Mariotti, F., Mashchak, A., Barbillon, P., Delattre, M., Huneau, J. F., & Fraser, G. E. (2020). Patterns of amino acid intake are strongly associated with cardiovascular mortality, independently of the sources of protein. International Journal of Epidemiology, 49(1), 312-321.
13.Brandhorst, S., & Longo, V. D. (2019). Protein quantity and source, fasting-mimicking diets, and longevity. Advances in nutrition, 10(Supplement_4), S340-S350.
14.Hevia-Larraín, V., Gualano, B., Longobardi, I., Gil, S., Fernandes, A. L., Costa, L. A., ... & Roschel, H. (2021). High-protein plant-based diet versus a protein-matched omnivorous diet to support resistance training adaptations: a comparison between habitual vegans and omnivores. Sports Medicine, 51, 1317-1330.
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